samedi 17 juillet 2010

"Mas tenho medo do que é novo e tenho medo de viver o que não entendo - quero sempre ter a garantia de pelo menos estar pensando que entendo, não sei me entregar à desorientação. Como é que se explica que o meu maior medo seja exactamente em relação : a ser? e no entanto não há outro caminho. Como se explica que o meu maior medo seja exactamente o de ir vivendo o que for sendo? Como é que se explica que eu não tolere ver, só porque a vida não é o que eu pensava e sim outra - como se antes eu tivesse sabido o que era! Por que é que ver é uma tal desorganização?
E uma desilusão. Mas desilusão de quê? se, sem ao menos sentir, eu mal devia estar tolerando minha organização apenas construída? Talvez desilusão seja o medo de não pertencer mais a um sistema. No entanto se deveria dizer assim: ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido. O que eu era antes, não me era bom. Mas era desse não-bom que eu havia organizado o melhor: a esperança. De meu próprio mal eu havia criado um bem futuro. O medo agora é que o meu novo modo não faça sentido? Mas por que não me deixo guiar pelo que for acontecendo? Terei que correr o sagrado risco do acaso. E substituirei o destino pela probabilidade."
in A Paixão segundo G.H., Clarice Lispector

5 commentaires:

Ângela Calou a dit…

Que texto bonito de Clarice, sempre reflexivo, sempre desconcertante... o destino? a pergunta pelo sentido, a adesão à possibilidade das probabilidades, faces do desconhecido.

Que deitar na língua uma barata é mais que algo feito para experimentar o gosto da boca. Que deitar na língua uma barata é o risco do imiscuir-se na impressão do que é ainda mistério... na condição de próprio mistério: um mistério sorvido por outro. Na paixão, há sempre o outro como elemento posto e discordante.

Tive de fazer um trabalho há poucos dias sobre esse texto, mas ele me venceu, não consegui. E nesse momento, aqui, foi ele leitura de fim de noite que me acompanhará até muito mais do que a próxima manhã.

"ele está muito feliz porque finalmente foi desiludido." - !!

Abraços. Belo post.

ma grande folle de soeur a dit…

Ângela, entendo que este texto da CL te tenha vencido... Eu li e reli uma dúzia de vezes este excerto e ainda matuto e acho que ainda estou vencida também ;) Haverá mais posts com excertos pk o desconcertante da CL (me) conserta (algures)... Beijos

hfm a dit…

Sempre ela e as suas palavras - únicas.

myra a dit…

Clarice era incrivel!!!!
e voce por colocar este texto dela...
a vida é dificil...incoerente...e o destino nem sempre como queremos, serà?! o desconhecido sim, as vezes dà mto medo, mas tem que enfrentar nao tem de outra..
beijos

José Louro a dit…

Li e reli tb. «Substituir o destino pela probabilidade». magnífico
beijinho