dimanche 27 novembre 2022

    "Relanceando os diversos curiosos aspectos que nos offerece a vida social japoneza, depara-se-nos uma condição profundamente interessante, commum aos dous sexos, posto que mais frequente no homem, a qual é conhecida pela palavra indigena inkyo. O termo quer dizer aproximadamente: - acção de retirar-se á vida privada, de abandonar os negocios de sua casa; aquelle que assim se retira e leva uma vida privada. Effectivamente, desde remotas éras até hoje, posto que agora, com a quadra afanosa da evolução nipponica, não tanto em vigor, tem sido uso que o chefe de familia, quando attinge uma idade de 50 annos ou cerca d'elles, se constitua inkyo, transferindo a direcção da casa e do negocio ao seu legitimo representante, em regra o filho mais velho, para viver em pachorrenta tranquilidade o resto dos seus dias. Este repouso patriarchal teem sido muito commentado em escriptos europeus, sendo geralmente reconhecido como uma calamidade, pois representa a paralysia antecipada das energias individuais, n'uma quadra ainda muito efficiente da existencia; d'aqui a mingua da produção, conseguintemente da riqueza, da familia em particular e do Estado em geral. Talvez tenham muita razão os sabios economistas do Occidente; mas, para um paiz de poetas e de artistas, como é este, para o qual o dinheiro está bem longe de ser tudo, eu encontro no inkyo uma delicadissima instituição social - ou antes anti-social - digna de amorosa estima e do reconhecimento da patria nipponica. [...]

    Com respeito ao inkyo, vive afastado do bullicio dos grandes centros [...] a sentimentalidade apura-se-lhe; as suas aptidões pacientes exercem-se affectuosamente em mil graciosidades indigenas, emancipadas da rotina da vida, durante a paz dos longos dias; a velhice avança, inconsciente das proprias miserias, embriagada nas bellezas da creação e no doce amor da patria. Um dispõe o seu jardim em requintes estheticos; outro cultiva arvores e flores, [...]; outro collecciona artigos da velha arte - desenhos dos mestres, deliciosos xarões e porcellanas, etc.; outro pratica a poesia classica ou os jogos de destreza; enfim, para não alongar muito a resenha, basta affirmar que o inkyo, pelas multiplices especialidades das suas ocupações de sedentario, é, além de um feliz, o maior sustentaculo das tradições nacionais, o principal protector das artes, o continuador do cavalheirismo indigena, o conservador e transmissor dos dotes typicos da raça."


in Cartas do Japão, Vol. III, Wenceslau de Moraes


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