" Ora a pintura japoneza caracteriza-se pelos contornos indecisos, pelos tons vaporosos, apenas esboçados, pintura pouco representativa das coisas, antes incocadora de remininiscencias; é nisto que se apraz a alma japoneza. Pois a uta participa da mesma inconsistencia, da mesma fluidez, da mesma parcimonia de detalhes. Como a pintura, é mais do que tudo um estimulo das nossas recordações, do que vimos, do que sentimos, do que soffremos. Reduzido em geral cada poema a dimensões infimas, não excedendo ordinariamente trinta e uma syllabas, contendo ás vezes apenas dezesete, a habilidade do poeta consiste em grupar dentro d'estes curtos limites uma suficiente escolha de palavras, que suggiram uma profunda impressão intima. Esta circumstancia torna por vezes muito difficil a interpretação da uta, sobretudo para estrangeiros.
Exemplifiquemos. Cito para estreia algumas uta que encontro no delicioso livro In Ghostly Japan, de Lafcadio Hearn, apresentando apenas para a primeira o original japonez :
Chôchô ni!...
Kyonem shishitaru
Tsuma koishi!
Traduzindo: - " Duas borboletas! ... no anno passado, morreu a minha querida esposa!" - Um sujeito viu duas borboletas, talvez no seu jardim, e irrompe com a exclamação que reproduzo. Que quer isto dizer? Saiba-se que um casal de borboletas é o symbolo gracioso da união conjugal n'este paiz, sendo até de uso enviar duas borboletas de papel com o presente de noivado. Agora comprehende-se o resto. [...]
Eis outra uta, curiosissima, atribuida á poetisa Chiyo, de remota fama. Um dia, propozeram-lhe que compozesse um poema de 17 syllabas, o qual se referisse ao quadrado, ao triangulo e ao circulo; ela respondeu de prompto: - " Desatando uma ponta do mosquiteiro, eis-me contemplando a lua!..."
in Cartas do Japão, vol. II, de Wenceslau de Moraes
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