Weil sich alles verändert hat.
Tinha mergulhado, definitivamente, na vileza da velhice.
Olhava-se ao espelho, mal acordava, o rosto pálido e
cheio de pregas abjetas, os olhos com as pálpebras descaídas, os lábios
descarnados e uma boca sem expressão. Os cabelos ralos e embranquecidos.
Deixara, há muito, de se
agradar. Ficava especada frente ao espelho, trémula de asco. Como era feia aquela
imagem de si. Ria então, com uma gargalhada falsa para se animar.
Existia agora numa vida secreta.
O seu coração cansado só já pulsava na sombra. Lento e vermelho, sem alegria,
nem pavor em demasia.
Durante o dia, era acometida
por súbitas exaustões que a forçavam a deitar-se e a fechar, por instantes,
mais ou menos dilatados, os olhos, despindo-se de toda e qualquer inquietação,
esquecendo o medo turvo.
Os músculos, finalmente mansos
e contentes, mergulhavam num torpor feito de sensações túrgidas e lentas. Parecia-lhe,
ao emergir desses apagões, que um tempo incontável decorrera e achava-se, por
instantes, muito longínqua da sua existência terrena. Quase teria preferido
conservar-se inanimada, mas quando abria os olhos, achava-se, invariavelmente,
sobre a cama, no quarto vazio e frio.
Um profundo silêncio envolvia a
casa.
Algures, o vento sussurrava pelos
cantos. Nada sucedia no casarão vasto e nu. Espiava, diariamente, a sua própria
degradação a par do que sucedia em seu redor.
As tardes eram longas e tensas
e tudo lhe parecia tão imaterial e fugaz a pontos de já não conseguir deter-se
em nenhum pensamento. O que de precioso existira, na sua vida, fora evanescente
e era agora indistinto.
De ora em diante, só lhe
restava concordar com o inevitável – a perda e a queda. Esse era o movimento
infinito da vida.
A matéria de que era feita
corrompera-se devagar e irremediavelmente, mas também se aniquilara muito do
sofrimento – vivia num desânimo sem dor. A decadência era irreprimível.
O vento incessante intercetava
e desmanchava brutalmente os seus pensamentos. Esgotara as palavras de que se
alimentava e não encontrava outras.
Movia-se com cuidado. Olhava o
ar silencioso do quarto. Envelhecera ali palidamente. A sua vida era a soma de
infinitos instantes imóveis e estéreis.
Tinha a consciência desse
tempo atrás de si e a noção desassossegada de algo que não poderia jamais
tocar, que já não lhe pertencia, mas a que ainda se prendia pela incapacidade
de criar outra vida e um novo tempo que fizessem sentido.
Via a si mesma, como de longe,
uma forma escura e desaprumada a curvar-se em direção ao chão. Com um suspiro
impaciente e furioso, imobilizou-se no quarto, frente ao espelho.
Nos campos, à volta do
casarão, a neblina das manhãs reforçava o seu sentimento de solidão profunda. A
terra era fria e indiferente.
Pensava, com inquietação, no
rigor do inverno próximo e previa um novo e mais fundo desespero em permanecer
presa no interior da casa. Com firmeza, resolvia então cerrar o coração. Não havia
quem a salvasse. Outros infindáveis e fugazes momentos se sucederiam e
morreriam. Nada aconteceria. Permaneceria ali, rodeada pelo silêncio impalpável,
sombrio e húmido.
O seu rosto inexpressivo, quieto
e mudo, pairava à espera. Lá estava ela. O seu corpo já não tinha sede, nem fome.
Ainda ontem ria de prazer. Ainda ontem se estendia à sua frente o futuro.
O seu movimento de vida estancara
como um relógio cuja pilha se gastou. Lá estava ela pois.
Cessara para sempre o perigo
de viver. Agora era esperar…
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