dimanche 9 mai 2021

 

Weil sich alles verändert hat.

 

Tinha mergulhado, definitivamente, na vileza da velhice.

Olhava-se ao espelho, mal acordava, o rosto pálido e cheio de pregas abjetas, os olhos com as pálpebras descaídas, os lábios descarnados e uma boca sem expressão. Os cabelos ralos e embranquecidos.

Deixara, há muito, de se agradar. Ficava especada frente ao espelho, trémula de asco. Como era feia aquela imagem de si. Ria então, com uma gargalhada falsa para se animar.

Existia agora numa vida secreta. O seu coração cansado só já pulsava na sombra. Lento e vermelho, sem alegria, nem pavor em demasia.

Durante o dia, era acometida por súbitas exaustões que a forçavam a deitar-se e a fechar, por instantes, mais ou menos dilatados, os olhos, despindo-se de toda e qualquer inquietação, esquecendo o medo turvo.

Os músculos, finalmente mansos e contentes, mergulhavam num torpor feito de sensações túrgidas e lentas. Parecia-lhe, ao emergir desses apagões, que um tempo incontável decorrera e achava-se, por instantes, muito longínqua da sua existência terrena. Quase teria preferido conservar-se inanimada, mas quando abria os olhos, achava-se, invariavelmente, sobre a cama, no quarto vazio e frio.

Um profundo silêncio envolvia a casa.

Algures, o vento sussurrava pelos cantos. Nada sucedia no casarão vasto e nu. Espiava, diariamente, a sua própria degradação a par do que sucedia em seu redor.

As tardes eram longas e tensas e tudo lhe parecia tão imaterial e fugaz a pontos de já não conseguir deter-se em nenhum pensamento. O que de precioso existira, na sua vida, fora evanescente e era agora indistinto.

De ora em diante, só lhe restava concordar com o inevitável – a perda e a queda. Esse era o movimento infinito da vida.

A matéria de que era feita corrompera-se devagar e irremediavelmente, mas também se aniquilara muito do sofrimento – vivia num desânimo sem dor. A decadência era irreprimível.

O vento incessante intercetava e desmanchava brutalmente os seus pensamentos. Esgotara as palavras de que se alimentava e não encontrava outras.

Movia-se com cuidado. Olhava o ar silencioso do quarto. Envelhecera ali palidamente. A sua vida era a soma de infinitos instantes imóveis e estéreis.

Tinha a consciência desse tempo atrás de si e a noção desassossegada de algo que não poderia jamais tocar, que já não lhe pertencia, mas a que ainda se prendia pela incapacidade de criar outra vida e um novo tempo que fizessem sentido.

Via a si mesma, como de longe, uma forma escura e desaprumada a curvar-se em direção ao chão. Com um suspiro impaciente e furioso, imobilizou-se no quarto, frente ao espelho.

Nos campos, à volta do casarão, a neblina das manhãs reforçava o seu sentimento de solidão profunda. A terra era fria e indiferente.

Pensava, com inquietação, no rigor do inverno próximo e previa um novo e mais fundo desespero em permanecer presa no interior da casa. Com firmeza, resolvia então cerrar o coração. Não havia quem a salvasse. Outros infindáveis e fugazes momentos se sucederiam e morreriam. Nada aconteceria. Permaneceria ali, rodeada pelo silêncio impalpável, sombrio e húmido.

O seu rosto inexpressivo, quieto e mudo, pairava à espera. Lá estava ela. O seu corpo já não tinha sede, nem fome. Ainda ontem ria de prazer. Ainda ontem se estendia à sua frente o futuro.

O seu movimento de vida estancara como um relógio cuja pilha se gastou. Lá estava ela pois.

Cessara para sempre o perigo de viver. Agora era esperar…

 

Aucun commentaire: