Comecei, recentemente, a
nutrir a espartana ideia do desapego.
Seria maravilhoso ter sempre e
somente tantas coisas quantas pudesse a qualquer momento enfiar em apenas uma
mala de viagem e uma mochila, em menos de uma hora. Para alcançar tal meta é
preciso começar já o treino.
A par desta inclinação para o
desapego material está ainda o desapego espiritual. Também não se deveria
aquecer demasiado nenhum dos lugares onde se está – acho que já fui longe demais
no que respeita à minha atual casa. Tenho de programar, rapidamente, uma evasão
espacial.
Na minha mochila, apenas
levarei o meu computador portátil, um cantil de água, um caderno de
apontamentos, os óculos de leitura e de sol, umas canetas e os meus documentos pessoais.
Em tempos, na minha mocidade,
viajei muito.
Subi montanhas e percorri
trilhos, em zonas remotas e ainda um pouco selvagens, e lembro-me de, na hora de
empacotar as roupas e objetos necessários, ter usado, parcimoniosamente, o
truque dos aventureiros. Tudo é contabilizado por três – três pares de meias,
três cuecas, três sutiãs, três t-shirts, três pares de calças e por aí fora.
Estou em crer que, na minha
próxima escapadela, serei tão moderada quanto outrora.
Nestas últimas semanas, senti
necessidade de me extrair da sonolência em que mergulhei.
O uivar incessante do vento,
lá fora, tornou-se insuportável. Vivo, danificada, num exílio forçado.
Durante a minha vida fui,
posso admiti-lo, muito bafejada pelo destino ou pela sorte, como lhe quiserem chamar,
mas nunca aproveitei devidamente as minhas potencialidades.
Defino-me como uma pessoa
assaz inteligente e perspicaz, porém, nunca me dediquei, afincadamente, a estudar
e a ampliar o meu conhecimento. Talvez me faltasse convicção.
As capacidades do meu cérebro são enormes, mas eu sempre desenvolvi um mecanismo algo subconsciente para o impedir de ir mais longe. Sempre me autolimitei. Vivi até agora numa inexplicável indolência. Desperdicei oportunidades várias porque preferi ficar a dormir – nos meus tempos de faculdade, nunca assistia às primeiras aulas –, porque não me apeteceu mais ir, porque me atrasei, porque não liguei, porque me aborreci, porque desisti.
Tenho uma tendência manifesta
para me deixar levar a viver a vida num obtuso estado de semiconsciência, para me
dispersar com pequenos prazeres ou ínfimas curiosidades. Sinto aversão a todo o
esforço e uma propensão notória desde a infância a não ter a mínima predisposição
para competir. A isto se chama, li há pouco, num artigo duma revista de
psicologia, o sibaritismo.
Cartas por abrir, assuntos
administrativos pendentes e adiados sine die, projetos abandonados mal são
esboçados, desprezo por toda e qualquer autoridade e qualquer forma de
submissão.
As pessoas como eu seguem
sozinhas os seus caminhos, silenciosamente.
Pode muito bem dizer-se que,
aos olhos da sociedade, somos inúteis. Os demais consideram apenas que não servimos
para nada.
Eu sei agora que está mais do que na hora de partir. Já preparei a mala de viagem. Só me falta escolher o destino e comprar o bilhete de avião, alter simple.
Desejo ser fluida para o resto da minha vida. Perder os contornos, dissolver a minha imagem .
Lá fora, os galhos mortos das árvores rangem sob a força seca do vento.
Ah, como desejo adiantar-me no futuro para que o presente - esta gande pausa branca - se tranforme mais celeremente em passado.
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