Nem saberia dizer ao certo
como entrara ali. Não fora pela porta principal.
Pareceu-lhe, vagamente, ter sonhado
que entrara por uma espécie de buraco estreito no meio de escombros, compostos
de blocos de cimento e arame, provavelmente, os restos de uma obra de
construção ou de demolição.
Quando deu por ela, já estava dentro
das entranhas do edifício, como se tivesse entrado de esguelha por um orifício
feito à sua medida.
Avançava a passos lentos, por corredores
estreitos que davam para salas fechadas como pequenas cavernas escuras e húmidas.
Seguiu, durante um tempo
infindável, por um corredor sombrio que desembocou noutro ainda mais sombrio. O
próprio tecto deste edifício subterrâneo era cada vez mais baixo e já a
obrigava a andar de cabeça baixa e de costas curvadas.
Virava em cada esquina que a
levava a outro corredor e a outro a seguir. Percebeu que caminhava num labirinto.
Não sabendo mais o que fazer, continuou
a caminhar como um autómato ao longo dos corredores que davam para outros
corredores, que se lhe afiguravam cada vez mais estreitos, sombrios e húmidos.
Parecia-lhe uma caminhada interminável
e sabia já que não chegaria a tempo ao encontro. Ela que sempre se esforçava
tanto por nunca chegar atrasada a nenhum encontro, agora, perdida nos
meandros deste dédalo de corredores sem saída, começava a arrastar os pés e
sentia a sua velhice a pesar a cada passo que dava.
Foi então que, a meio do sonho,
provavelmente, encontrou, num corredor estreitíssimo e cujas paredes escorriam
água e salitre, um homem sem rosto, surgido do nada, ao dobrar da esquina. O homem
informou-a de que se caminhassem, sem andar às rodas, de forma estratégica, haveriam de acabar por encontrar uma porta de
saída.
Ela, na verdade, já perdera há
muito de vista o motivo pelo qual estava caminhando no labirinto, por isso,
decidiu, sem hesitação, seguir os passos do homem até à porta de emergência,
até porque já lhe começava a faltar o ar nos pulmões, afinal de contas ela era claustrofóbica
desde sempre.
Sentia-se à beira de um ataque
de pânico.
Seguiu o homem por outros
corredores, olhando para trás, com alguma apreensão, e de repente, os corredores
por onde haviam passado sumiam no ar, como num jogo de magia. Parecia um jogo
infantil, mas ela sentia-se insegura e aí o homem sumiu também ao dobrar uma
esquina. Ouviu então gargalhadas muito longínquas e abafadas que pareciam de crianças.
Alguém estava zombando dela e só já desejava, em desespero, sair daquele
emaranhado de caminhos sem fim.
Onde estaria a porta de saída
de que lhe falara o homem misterioso?
O seu pânico ia em crescendo e
sentia-se agora como se estivesse presa numa caixa de elevador, avariado entre
dois pisos, sem botões nem campainha de alarme. Estava encurralada num
labirinto sem saída e prestes a desmaiar.
Então a sua luta desesperada
pela sobrevivência começou: tinha por força que sair dali, só não sabia ainda
como. Não sabia bem para que lado deveria dirigir-se, já que os corredores atravessados
haviam sumido, só podia seguir em frente.
E, de novo, lhe apareceu à
frente, como um deus ex machina, aquele homem que sumira antes e, novamente,
lhe garantiu que encontrariam a porta de saída.
Ela sentia-se prestes a cair
de cansaço: estava rebentada e arrastava os pés, como que após anos e anos a
caminhar por aquele labirinto – a sua via crucis. Doíam-lhe as pernas e,
sentia os ossos e as articulações desarticuladas. Cada movimento era agora um
esforço penoso quase excruciante. Já quase se havia resignado a nunca mais sair
daquela barela subterrânea e a morrer ali de asfixia ou de coração exangue.
Então, quando já quase havia
desistido, o homem, que marchava à sua frente, começou a se agitar. Ao fundo
desse corredor que parecia percorrerem há séculos, avistava-se uma larga porta
com dois batentes, iluminada por uma luz esverdeada.
Era assim tão fácil? Bastar-lhes-ia
empurrar a porta e deixar-se finalmente ofuscar pela luz escancarada do dia lá
fora?
Pensou, para si, por que razão
é que só para ela havia sido impossível encontrar esta porta? Mas não chegou a
conclusão nenhuma.
Em certa medida, nem percebia
o seu espanto perante este facto que nem sequer era inusitado: não estava ela
mais do que habituada a tal destino? Na certa, cada um tinha o seu próprio
destino, a sua própria via crucis a percorrer. O destino dela seria
nunca encontrar saídas sozinha?
Ridiculamente, nem sabia se
acreditava ou não no destino. De nada lhe valia continuar a afobar-se. Havia
apenas que empurrar a porta de saída, sem mais delongas.
Perdera, totalmente, de vista
o motivo pelo qual caminhara tanto. Só sabia que se cansara para lá das suas
forças e que apenas queria sair daqueles meandros labirínticos, ir embora dali
para fora, voltar a casa.
Tinha o cérebro oco. Pesava-lhe
cada vez mais a cruz dos anos. Estava cansada de ser um ente humano. Preferia quase
ser uma cadela ou um percevejo. Faria qualquer tipo de permuta com outro qualquer
ser animado ou inanimado. Podia até ser tão anónima e insignificante quanto uma
galinha. Ser ninguém!
Enquanto renovava estes
pensamentos, e sofria a magia negra dos corredores labirínticos, apercebeu-se de que o homem sumira de novo! Mas
a porta, essa, continuava à sua frente e quase ao alcance do braço direito.
Na realidade, pouco lhe importava
já o sumiço do homem. Teria de garantir apenas que era capaz de reunir as
forças necessárias para empurrar a pesada porta e assim sair da escuridão
destas trevas malignas, apesar da sua falta de prática e de experiência em
abrir portas de saída.
Quando abriu, com a chave, a
porta do seu apartamento, sentiu uma vontade irrepressível de chorar, mas ela
não era gente de chorar à toa.
Foi directa ao quarto, tirou a
roupa, enfiou-se na cama, engoliu um comprimido, com meio copo de água e esperou
que esse desse resultado.
A sonolência finalmente veio e
ela adormeceu.
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