samedi 13 mars 2021

 

Nem saberia dizer ao certo como entrara ali. Não fora pela porta principal.

Pareceu-lhe, vagamente, ter sonhado que entrara por uma espécie de buraco estreito no meio de escombros, compostos de blocos de cimento e arame, provavelmente, os restos de uma obra de construção ou de demolição.

Quando deu por ela, já estava dentro das entranhas do edifício, como se tivesse entrado de esguelha por um orifício feito à sua medida.

Avançava a passos lentos, por corredores estreitos que davam para salas fechadas como pequenas cavernas escuras e húmidas.

Seguiu, durante um tempo infindável, por um corredor sombrio que desembocou noutro ainda mais sombrio. O próprio tecto deste edifício subterrâneo era cada vez mais baixo e já a obrigava a andar de cabeça baixa e de costas curvadas.

Virava em cada esquina que a levava a outro corredor e a outro a seguir. Percebeu que caminhava num labirinto.  Não sabendo mais o que fazer, continuou a caminhar como um autómato ao longo dos corredores que davam para outros corredores, que se lhe afiguravam cada vez mais estreitos, sombrios e húmidos.

Parecia-lhe uma caminhada interminável e sabia já que não chegaria a tempo ao encontro. Ela que sempre se esforçava tanto por nunca chegar atrasada a nenhum encontro, agora, perdida nos meandros deste dédalo de corredores sem saída, começava a arrastar os pés e sentia a sua velhice a pesar a cada passo que dava.

Foi então que, a meio do sonho, provavelmente, encontrou, num corredor estreitíssimo e cujas paredes escorriam água e salitre, um homem sem rosto, surgido do nada, ao dobrar da esquina. O homem informou-a de que se caminhassem, sem andar às rodas, de forma estratégica,  haveriam de acabar por encontrar uma porta de saída.

Ela, na verdade, já perdera há muito de vista o motivo pelo qual estava caminhando no labirinto, por isso, decidiu, sem hesitação, seguir os passos do homem até à porta de emergência, até porque já lhe começava a faltar o ar nos pulmões, afinal de contas ela era claustrofóbica desde sempre.

Sentia-se à beira de um ataque de pânico.

Seguiu o homem por outros corredores, olhando para trás, com alguma apreensão, e de repente, os corredores por onde haviam passado sumiam no ar, como num jogo de magia. Parecia um jogo infantil, mas ela sentia-se insegura e aí o homem sumiu também ao dobrar uma esquina. Ouviu então gargalhadas muito longínquas e abafadas que pareciam de crianças. Alguém estava zombando dela e só já desejava, em desespero, sair daquele emaranhado de caminhos sem fim.

Onde estaria a porta de saída de que lhe falara o homem misterioso?

O seu pânico ia em crescendo e sentia-se agora como se estivesse presa numa caixa de elevador, avariado entre dois pisos, sem botões nem campainha de alarme. Estava encurralada num labirinto sem saída e prestes a desmaiar.

Então a sua luta desesperada pela sobrevivência começou: tinha por força que sair dali, só não sabia ainda como. Não sabia bem para que lado deveria dirigir-se, já que os corredores atravessados haviam sumido, só podia seguir em frente.

E, de novo, lhe apareceu à frente, como um deus ex machina, aquele homem que sumira antes e, novamente, lhe garantiu que encontrariam a porta de saída.

Ela sentia-se prestes a cair de cansaço: estava rebentada e arrastava os pés, como que após anos e anos a caminhar por aquele labirinto – a sua via crucis. Doíam-lhe as pernas e, sentia os ossos e as articulações desarticuladas. Cada movimento era agora um esforço penoso quase excruciante. Já quase se havia resignado a nunca mais sair daquela barela subterrânea e a morrer ali de asfixia ou de coração exangue.

Então, quando já quase havia desistido, o homem, que marchava à sua frente, começou a se agitar. Ao fundo desse corredor que parecia percorrerem há séculos, avistava-se uma larga porta com dois batentes, iluminada por uma luz esverdeada.

Era assim tão fácil? Bastar-lhes-ia empurrar a porta e deixar-se finalmente ofuscar pela luz escancarada do dia lá fora?

Pensou, para si, por que razão é que só para ela havia sido impossível encontrar esta porta? Mas não chegou a conclusão nenhuma.

Em certa medida, nem percebia o seu espanto perante este facto que nem sequer era inusitado: não estava ela mais do que habituada a tal destino? Na certa, cada um tinha o seu próprio destino, a sua própria via crucis a percorrer. O destino dela seria nunca encontrar saídas sozinha?

Ridiculamente, nem sabia se acreditava ou não no destino. De nada lhe valia continuar a afobar-se. Havia apenas que empurrar a porta de saída, sem mais delongas.

Perdera, totalmente, de vista o motivo pelo qual caminhara tanto. Só sabia que se cansara para lá das suas forças e que apenas queria sair daqueles meandros labirínticos, ir embora dali para fora, voltar a casa.

Tinha o cérebro oco. Pesava-lhe cada vez mais a cruz dos anos. Estava cansada de ser um ente humano. Preferia quase ser uma cadela ou um percevejo. Faria qualquer tipo de permuta com outro qualquer ser animado ou inanimado. Podia até ser tão anónima e insignificante quanto uma galinha. Ser ninguém!

Enquanto renovava estes pensamentos, e sofria a magia negra dos corredores labirínticos,  apercebeu-se de que o homem sumira de novo! Mas a porta, essa, continuava à sua frente e quase ao alcance do braço direito.

Na realidade, pouco lhe importava já o sumiço do homem. Teria de garantir apenas que era capaz de reunir as forças necessárias para empurrar a pesada porta e assim sair da escuridão destas trevas malignas, apesar da sua falta de prática e de experiência em abrir portas de saída.

 

Quando abriu, com a chave, a porta do seu apartamento, sentiu uma vontade irrepressível de chorar, mas ela não era gente de chorar à toa.

Foi directa ao quarto, tirou a roupa, enfiou-se na cama, engoliu um comprimido, com meio copo de água e esperou que esse desse resultado.

A sonolência finalmente veio e ela adormeceu.

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