Faz aproximadamente um ano que, não tendo mais o que fazer lá fora, iniciei
esta espécie de exercício de escrever. Para quê perguntarão?
Para matar o ócio, para me divertir (sem custos), para fazer a catarse,
para me (re)conhecer, para não morrer de ansiedade ?!...eu lá sei!
Inspirei-me de todos os contos que li até hoje. O conto (e até o
micro-conto) é o meu modo de escrita preferido, aquele a que mais adere a minha
forma arquisintética de relatar tudo quanto observo, penso, sinto e invento.
Por vezes, surgem-me boas ideias e continuo muito afoita na minha tarefa de
narração, outras vezes, rapidamente me enojo e me aborrece a história e só
quero dela escapar e claro que poderia falar de tudo, poderia inventar de tudo,
mas não invento, nem inventarei porque já não o quero.
Poderia gastar várias páginas brancas do meu caderno em torno do que eu
inventaria se inventar fosse algo que continuasse a me interessar. Mas a
verdade é que enquanto vou contando aquilo que invento, já acho que não vale a pena
e que não quero mais inventar.
E costuma ser nesse ponto que já passo para outra história, ou páro de supetão,
não querendo mais nada desta e a história seguinte pode até vir a ser todo o
contrário da anterior ou nem sequer um esboço de nada.
Por vezes apenas me falta a ocasião. Inventar uma história não é ocasião
que apareça todos os dias, com a facilidade de quem bebe um copo de água.
As histórias também as posso sonhar enquanto durmo e o diabo sabe que a minha vida onírica é mais cheia do que a minha vida real, vivida acordada, que anda muito escamoteada ultimamente.
Por isso sim, poderia longamente contar a
história do sonho de sexta à noite e de sonho dormido passar a sonho acordado –
quisesse eu embriagar o mundo e só de histórias de fábula me importaria.
A minha escrita, porém, é mais como um copo de água mineral do que de vodca!
Apenas estanca sedes pequenas, não sedes grandes!
Nesta tasca nem sequer se servem
copos de três!
Talvez um dia pegue o gosto pelo vinho e conte as histórias que merecem ser
contadas se o vinho me for de boa companhia e me curar das antigas doenças. Mas
é sabido que do vinho quer-se pouco da fala e mais da embriaguez que entontece.
Talvez o vinho me aquietasse.
A concentração no sentir é tão difícil no meio
da balbúrdia, da algazarra de vozes dentro de nós.
De repente, a garganta fica seca e sinto subir uma sede inesperada, mas não me apetece levantar de onde estou, nem interromper o que estou fazendo. O único jeito é juntar a saliva para esquecer a sede.
Depois de reunida a saliva, na boca seca, engulo-a lentamente, vezes sem
conta.
É morna a saliva e não chega para me matar a sede.
A minha sede enorme é agora tudo o que consigo sentir e toma-me o corpo todo.
A minha sede parece uma sede
de anos, de séculos.
Penso no chafariz de pedra da aldeia (onde abri os olhos para o mundo há mais de mil anos) do qual brota, constante, um fio de água gélida.
De olhos fechados, entreabro os lábios e colo-os ao gargalo metálico de onde jorra a água.
O primeiro gole desce-me pela garganta queimada, escorrendo
pelo peito e encharca-me o corpo todo até saciar o meu interior árido e gretado
como o deserto.
Volta a vida a este corpo inerte que germina e floresce. Abençoado líquido vivificador!
A vida estoura dentro de mim. O coração bate forte. O mundo se transforma.
Uma vida inteiramente nova, outra, vai brotando na profundeza do meu ser,
num equilíbrio frágil que me sobressalta e abana os alicerces instáveis e logo
me enche de um susto rígido…
Ao segundo gole, tornei-me já estátua de pedra.
Abro os olhos e não saberia dizer se esta metamorfose foi vagamente sonhada
ou se aconteceu mesmo. O facto é que o pescoço não se mexe e progressivamente fui deixando de sentir o
meu corpo grave, peça a peça.
O vórtice do abismo para o qual sinto que me empurram mãos potentes é por demais
estonteante.
Sou bem capaz de me estilhaçar toda antes mesmo de atingir as pedras da calçada…
Quem me está a descer do pedestal?
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