Aí está ele, de novo, o Mar –
a mais ininteligível substância não humana.
E como é misterioso o seu mistério para um ser vivo.
E aqui estou eu, a Mulher –
o mais ininteligível dos seres
existentes,
de pé na praia, à beira dele.
Eu e o Mar e os nossos
mistérios,
à espera de nos entregarmos um
ao outro –
e é tão necessária a confiança
na entrega
de dois mundos desconhecidos e
na entrega de duas (in)compreensões.
Olho o Mar com a mesma perplexidade
já antiga.
É tudo o que posso fazer.
Olho para a linha de horizonte
que mo delimita e
sou incapaz de ver a curvatura
da Terra.
São oito horas da manhã e
só um cão pardo corre,
livre e sem hesitação,
pelo vasto areal.
Apetece-me também a mim entrar
no mar, mas
contrariamente ao cão, o meu
corpo é frágil e dorido e
não possui essa parte de
liberdade do cão –
ao entrar no frio ilimitado
que ruge
nas águas salgadas do grande
mar.
Falta-me a coragem do cão,
nesta praia vazia.
Entrar no mar, para o cão é o
simples jogo de existir.
Eu estou sem essa coragem.
Imagino-me a entrar no mar,
como esse cão pardo e
um arrepio profundo de frio
percorre-me a coluna.
Fecho os olhos, e despersonalizo-me
e sou agora esse cão pardo.
O cheiro a maresia desperta os
meus sentidos adormecidos,
como após um sono secular.
Fico alerta e
entrego-me a uma renovada
alegria que me toma toda –
como é bom este jogo leviano
de apenas existir,
como um cão pardo, à beira da
água salgada e fria do mar.
E, de repente,
abro caminho na gelidez deste
líquido salgado.
Deixo-me cobrir pela primeira
onda.
Dissolvo-me no brilho da água.
Penso no ritual antigo e baixo
a cabeça e
o meu cabelo fica escorrendo
sobre os olhos que ardem.
Nado um pouco e brinco com a
concha das mãos na água.
Os cabelos ao sol já começam a
endurecer com o sal.
As ondas batem, suavemente,
nas minhas pernas.
Todo o meu corpo se eriça e se
arrepia,
mas é um arrepio bom e
já o sol me lambe e me seca sofregamente.
Mergulho de novo e logo me
endireito.
Quero ficar de pé, parada no
mar, com as ondas a enrolar-me e
a bater-me nas costas e assim
fico,
como um navio encalhado que
oferece os seus costados.
Caminho dentro de água, de
volta à praia.
O Mar opõe-me alguma
resistência e
puxa-me com força para trás,
mas eu avanço qual proa de embarcação,
dura e áspera.
Piso, finalmente, a areia,
reluzindo de água, de sal e de sol,
como um náufrago pisa a terra
firme, escapando ao perigo.
Volto para casa, após esta “imersão”
no mar
(também o cão pardo, já saiu
da água e caminha agora amarrado à trela do dono).
Daqui a minutos, terei
esquecido tudo,
mas o meu corpo guardará esta
memória
nos seus poros.
Aucun commentaire:
Enregistrer un commentaire