mercredi 3 février 2021

 


Ainda há em meu corpo, (que outrora não era feio, nem bonito), substância viva – unhas, carnes, dentes, pêlos, cabelos…

e uma mistura de resistência obtusa e de fraqueza prestimosa.

 

A cabeça continua interrogativa, mas tem as suas ausências

e perde-se amiúde numa tristeza impessoal e antiga.

 

Os olhos, baços e de pálpebras caídas, cansados de tanto se enredarem nas próprias sombras,

são intraduzíveis - semicerrados e húmidos, sempre próximos das lágrimas, como se estivessem cravados na carne do braço, duro e hirto como um cepo.

 

Os olhos interrompem-se, vazios ou até ásperos, à espera que o perigo passe, à espera de regressar do repouso, nas abissas da tristeza.

 

Há que achar a escuridão na escuridão e logo sair dessas trevas.

 

Há que andar léguas e procurar um indício de caminho.

 

Há que deixar-se guiar por um bater de asas, pelo trilho de um bicho manso ou feroz -

o seu rasto levará ao atalho.

 

Há que procurar beber em alguma fonte - uma fonte antiga e pura.

 

Há que mergulhar na linha de horizonte dos olhos – fechá-los sobre a última imagem,

antes que a água acabe por secar-te na boca.

 

Há que mergulhar na misteriosa luz das florestas escuras.

 

Há que morder as raízes, banhar-se nas águas bravas, sangrar os pés nos espinhos.

 

E depois,

 

Há que emergir, com todos os tesouros descobertos e atirar-se sofregamente ao vento.

 

Há que tornar-se apenas corpo, movimentando-se calmo – um corpo imerso num vazio profundo. Um ponto silencioso no infinito.

 

Há um buraco aberto para a tua leveza - pois que o chão está vazio sob teus pés alados.

 

Há que escutar com o corpo todo, até ao fundo da alma – os anseios íntimos.

 

As misérias e as grandezas de um corpo.

 

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