Ainda há em meu corpo, (que
outrora não era feio, nem bonito), substância viva – unhas, carnes, dentes, pêlos,
cabelos…
e uma mistura de resistência
obtusa e de fraqueza prestimosa.
A cabeça continua
interrogativa, mas tem as suas ausências
e perde-se amiúde numa
tristeza impessoal e antiga.
Os olhos, baços e de pálpebras
caídas, cansados de tanto se enredarem nas próprias sombras,
são intraduzíveis - semicerrados
e húmidos, sempre próximos das lágrimas, como se estivessem cravados na carne do
braço, duro e hirto como um cepo.
Os olhos interrompem-se, vazios
ou até ásperos, à espera que o perigo passe, à espera de regressar do repouso, nas
abissas da tristeza.
Há que achar a escuridão na
escuridão e logo sair dessas trevas.
Há que andar léguas e procurar
um indício de caminho.
Há que deixar-se guiar por um
bater de asas, pelo trilho de um bicho manso ou feroz -
o seu rasto levará ao atalho.
Há que procurar beber em
alguma fonte - uma fonte antiga e pura.
Há que mergulhar na linha de
horizonte dos olhos – fechá-los sobre a última imagem,
antes que a água acabe por
secar-te na boca.
Há que mergulhar na misteriosa
luz das florestas escuras.
Há que morder as raízes, banhar-se
nas águas bravas, sangrar os pés nos espinhos.
E depois,
Há que emergir, com todos os
tesouros descobertos e atirar-se sofregamente ao vento.
Há que tornar-se apenas corpo,
movimentando-se calmo – um corpo imerso num vazio profundo. Um ponto silencioso
no infinito.
Há um buraco aberto para a tua
leveza - pois que o chão está vazio sob teus pés alados.
Há que escutar com o corpo
todo, até ao fundo da alma – os anseios íntimos.
As misérias e as grandezas de
um corpo.
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