mardi 19 janvier 2021

 

 

Tenho várias histórias verdadeiras e tenho outras que mentem meticulosamente.

As suas tramas, aquando da urdição, ora me trazem uma renovada alegria, quase excitada,

ora me arrastam para um desalento antigo e sonolento.

Cada história é uma orgia no escuro, um processo sôfrego, intensificado pelas alegrias do apagão.

 

As palavras mais finas e preciosas, com que preparo cada telão, são assaltadas, cortadas da boca que ainda canta e depois cinzeladas, em espanto de inocência, fugindo de dentro si mesmas.

As outras são fabricadas - pesadas e medidas a rigor – petrificadas, em molde de gesso, e

acabam cristalizadas no seu âmago duro.  Ora as uso com moderação, ora as esbanjo.

 

A próxima história de verdade, começa assim. E poucas usará.

 

Amanhece.

Olho friamente para a derrocada do nosso mundo.

Nesta história, apenas tremem, indiferentes, os ramos secos dos plátanos, sob o sopro do vento frio.

Uma nova era se inaugurou no lar.

Prossegue como se sabe – uma população lenta e entorpecida, caminha em fila indiana, movida, a custo, pela avidez do ritual formigueiro e síncrono, idêntico em todas as manhãs sonâmbulas.

Estremeço de mau prazer aos inevitáveis avisos e conselhos iterativos, ouvidos nos megafones das telefonias.

Ásperos instantes se irão somar, hoje, ao ritmo dos ponteiros do Relógio do Tempo.

À porta de cada um, ou à volta do pescoço, é colocada uma placa de mérito onde se pode ler: respeitou as regras e (Sobre)viveu mais um dia!

 

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