lundi 18 janvier 2021

 


 

Novo Lockdown.

 

Tenho, diariamente, a azeda impressão

de um instintivo mecanismo automático

de afastamento ao Outro.

Olhamo-nos, rapidamente, nos olhos

ou nem nos olhamos de todo, apenas enxergamos,

incomodados, os vultos alheios – de relance,

como mercadoria vendida ao postigo.

 

Os sorrisos, nos lábios, estão claramente suprimidos,

apenas indiciados em fugazes esgares assustados

(como nos sorriríamos agora se não tivéssemos máscaras?)

 

A distração, a instabilidade dos outros, a falta de disciplina

exige de nós, nos passeios, nas filas de espera, uma espécie de dança

de quadrilha, como num filme do faroeste, mudo e a preto e branco.

 

Franzir o nariz, deslocar os óculos e ajeitá-los, dar piscadelas ou pestanejar

não vão além de íntimas perplexidades, jamais adivinhadas pelos demais.

Esta capacidade estática e gélida de exprimir sentimentos para si-próprio,

esta aceitação (im)paciente do estado de permanente incerteza é

ironicamente, de bom conselho!

 

As bocas estão cravadas de ansiedade e nervosismo…

Os mais dóceis e bem-comportados, mais dóceis estão, outros

revoltam-se na constância da incompreensão.

“Como foi isto possível?”

 

Uma vez ou outra, os momentos são variáveis - contêm mais alguma coisa,

ainda que os sinta sempre cansativamente cumulativos.

Aos “dias inteiros”, sucedem-se outros “dias inteiros”, repletos de silêncio

e de mais alguma coisa,

ainda que com uma incalculável sequência de estéreis repetições.

 

Durante estes meses, em que dei as voltas que foram precisas

e tive de mostrar a satisfação necessária para me salvar,

deambulei adormecida pela casa, pontapeei raivosamente objetos e

parti alguma loiça, com o deleite próprio dos alucinados.

 

Agora, o círculo de minuciosas possibilidades que fui empilhando

está a mirrar como uma peau de chagrin.

Comecei a ter de decidir, de modo assaz arbitrário,

e sem grandes tergiversações, o que vou ser

durante um “dia inteiro” - uma ansiosa,

incapaz de suportar a confusão?

Uma palhaça feliz, rindo de tudo ou

uma palhaça triste a precisar de amor extra?

 

À medida que se desbulhou o calendário,

as minhas sucessivas inspirações, ligeiramente convulsivas,

foram, gradualmente, mudando de nível.

Abandonadas as cogitações temporárias,

cuido de não desequilibrar Toda a construção antecipada.

 

Ou os “dias inteiros” são horríveis ou

os “dias inteiros” são empolgantes,

segundo desejo que o sejam ou não,

segundo a naturalidade com que recebo, de chofre,

um “dia inteiro” vazio.

Trata-se, é certo, de uma imprevisibilidade permanente.

 

Mas,

 

quando tudo falha posso simplesmente decidir não ser nada,

nem ninguém por um “dia inteiro”.

Simplesmente, não ser.

 

É este o supremo safanão de liberdade.

Um “dia inteiro” que redima o passado e o futuro.

Um “dia inteiro”, em abstrato, sem um sorriso,

sem uma palavra, sem um pensamento,

sem nada ser, ter ou querer.

 

Talvez assim possa ver mais claramente o Mundo -

num relance mais profundo e simples da espécie

de Universo em que vivemos;

abolindo meticulosamente o desejo irrealizável,

o ideal inatingível, sem rancor, sem ultraje;

bebendo o elixir do longo sono;

tornando-me uma estátua de gesso, esturricada.

 

 

 

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