Na rua vazia, até as pedras da
calçada parecem retraídas.
Compreendem que elas também
estão sós no mundo.
Hesito, antes de sair de casa,
mas a cabeça estremece
como uma caixa de ressonância,
prenhe de demasiados sons.
Torna-se imperativamente
necessário ir à rua, aclarar as ideias.
O frio invernal espeta-me
agulhas nos ossos esmigalhados
e tolhe-me as porosas articulações.
Os pés e as mãos
distanciam-se, gelados, do resto do corpo.
Sentada numa pedra, olho conformada
para o oceano.
Estou suportando, estoicamente.
Não cruzei ninguém na rua
deserta.
É talvez demasiado cedo para
se ir à rua,
numa manhã de domingo, em
pleno Lockdown.
Os meus olhos lacrimejam.
O que fazer do desalento deste
corpo seco,
à beira do soluço?
Em dias particularmente maus,
ele segue entregando-se,
num paroxismo excessivo,
à raivosa e insolente revolta,
inconformado à sua fatalidade;
mas lá acaba por se aquietar, atirado
a um canto,
ora estático, ora
descompassado
e atormentado,
como animal selvagem em sua
jaula,
(acostumado a ela),
arfante na tarefa obrigatória
de respirar,
totalmente submisso às regras
do jogo da (sobre)vivência.
Quanto tempo passou já comigo
aqui sentada,
fitando a linha de horizonte?
Tenho frio, mas teimo em não
tremer.
É imperativo passar por cima
do soluço.
Continuo por isso aqui sentada.
No meio de tanta vaga e fria impossibilidade…
No meio de tanta permanente
incerteza…
No meio de tantas ruas
desertas e de tantos esgotos secos…
existe ainda,
a cada instante,
(estou segura disso)
o apelo da pressurosa e
extraordinária Gravidade.
Nem uma só vez se deve olhar
para baixo.
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