dimanche 31 janvier 2021


 

Hoje, saí à rua.

Faz tempo que não saía à rua.

Fui andando, à beira mar e olhei distraída para os edifícios, e as pessoas, ao longe, sem pensar em nada.

Fui-me aproximando da nesga de mar (que se vê do fundo da minha rua).

A pequena mancha azul foi-se agigantando, até o meu horizonte não ser mais do que oceano.

Estar distraída de tudo é, pelos tempos correntes, uma coisa muito rara, quase obscenamente luxuosa. É estar livre!

Olhei tudo com uma atenção sem esforço.

Vi tudo e deambulei entre as rochas, um tanto à toa, como barco desgovernado que perdeu o leme e o rumo.

Caminhando estou livre!

Ia percebendo o contorno de uns e de outros, desviando-me e afastando-me sem os olhar, e senti-me satisfeita e densamente leve por uns instantes.

Nada daquilo era meu, mas algo me pertencia: eu fazia parte de tudo, sem prepotência, superioridade ou glória. Eu sabia que existia nesse todo.

Pensativa, olhei bem longe para o horizonte, o mais longe possível, onde a linha se esbate e fica somente um flou artístico no olhar, e lembro-me de ter pensado: o desafio agora é conseguir continuar a viver.

Para isso, preciso de não me deixar tomar pela revolta furiosa, não me entregar desprevenida, com pressa, amor e raiva, como sempre faço.

Regressei a casa sem vontade e mal liguei a TV, o pavor me alucinou de novo. O contraponto da beleza do mar – a fealdade quotidiana vai perseguir-me de novo.

É jogado, a cada momento, na minha cara nua, o terror da Morte.

Como gostaria de poder andar pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, sem ser ferida pela constante deceção da sua feroz brutalidade, da sua grosseria e insulto permanentes.

Ao voltar a casa, a cada passo, sentia o coração a fechar-se. Sentia-me esmagada por uma laje de betão que amolgava o meu peito e quase me impedia de respirar.

Assolou-me o sentimento profundo de vulnerabilidade – de uma criatura só e abandonada, impreparada para o peso terreno.

Eu sempre me imagino mais forte e penso que estou pronta para tudo. Faço de quase tudo um cálculo matemático – mas dá sempre errado. Talvez eu nunca tenha sido boa em aritmética. Quero somar e multiplicar e acabo diminuindo e dividindo.

E também sempre fui de brigar muito e sofregamente.  Sempre tento chegar a alguma coisa ou alguém com esse modo errado, nunca cedendo, nem revendo os cálculos.

Começo agora a entender que brigando, nos leva, tal como com um cálculo errado, a perder tudo.

Quero que tudo seja amável como eu o desejo e não como o mundo é verdadeiramente.

Sou uma idealista teimosa que se ofende ao acaso, dobrada de uma possessiva que se ofusca com brutalidades e formalismos.

Eriça-me também o terror de viver na(s) incerteza(s).

Não podia estar mais impreparada para o filme de terror a que chegaram as nossas vidas.

Controlo com dificuldade o grito que vive no fundo da minha garganta há tempo demais e estilhaço-me amiúde, em pânico profundo, como um pássaro aprisionado, que se mata contra os vidros da janela, na casa onde entrou esvoaçando, por engano.

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