No meu corpo uma casa se levanta,
sem portas, sem paredes, sem telhado:
entrasse o mar por ela ouviria as sereias,
fosse outra vez verão seria só orvalho.
Eugénio de Andrade, Cumplicidades do Verão
lundi 9 décembre 2019
ADAGIO
O outono é isto -
apodrecer de um fruto
entre folhas esquecido.
Água escorrendo,
quem sabe donde,
ocasional e fria
e sem sentido.
Eugénio de Andrade, Primeiros Poemas
apodrecer de um fruto
entre folhas esquecido.
Água escorrendo,
quem sabe donde,
ocasional e fria
e sem sentido.
Eugénio de Andrade, Primeiros Poemas
O sono que desce sobre mim,
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim -
Esse sono
Parecerá aos aoutros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém,
De quem?
Pergunta a minha indiferença,
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
Álvaro de Campos
O sono mental que desce fisicamente sobre mim,
O sono universal que desce individualmente sobre mim -
Esse sono
Parecerá aos aoutros o sono de dormir,
O sono da vontade de dormir,
O sono de ser sono.
Mas é mais, mais de dentro, mais de cima:
É o sono da soma de todas as desilusões,
É o sono da síntese de todas as desesperanças,
É o sono de haver mundo comigo lá dentro
Sem que eu houvesse contribuído em nada para isso.
O sono que desce sobre mim
É contudo como todos os sonos.
O cansaço tem ao menos brandura,
O abatimento tem ao menos sossego,
A rendição é ao menos o fim do esforço,
O fim é ao menos o já não haver que esperar.
Há um som de abrir uma janela,
Viro indiferente a cabeça para a esquerda
Por sobre o ombro que a sente,
Olho pela janela entreaberta:
A rapariga do segundo andar de defronte
Debruça-se com os olhos azuis à procura de alguém,
De quem?
Pergunta a minha indiferença,
E tudo isso é sono.
Meu Deus, tanto sono!...
Álvaro de Campos
APOSTILA
Aproveitar o tempo!
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Milton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil...
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas, Imagens da Vida...
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
Aproveitar o tempo!...
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisas,
A poeira de uma estrada, involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm
outras,
O pião do garoto, que vai parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
Álvaro de Campos
Mas o que é o tempo, que eu o aproveite?
Aproveitar o tempo!
Nenhum dia sem linha...
O trabalho honesto e superior...
O trabalho à Virgílio, à Milton...
Mas é tão difícil ser honesto ou superior!
É tão pouco provável ser Milton ou ser Virgílio!
Aproveitar o tempo!
Tirar da alma os bocados precisos - nem mais nem menos -
Para com eles juntar os cubos ajustados
Que fazem gravuras certas na história
(E estão certas também do lado de baixo que se não vê)...
Pôr as sensações em castelo de cartas, pobre China dos serões
E os pensamentos em dominó, igual contra igual,
E a vontade em carambola difícil...
Imagens de jogos ou de paciências ou de passatempos -
Imagens da vida, imagens das vidas, Imagens da Vida...
Verbalismo...
Sim, verbalismo...
Aproveitar o tempo!
Não ter um minuto que o exame de consciência desconheça...
Não ter um acto indefinido nem factício...
Não ter um movimento desconforme com propósitos...
Boas maneiras da alma...
Elegância de persistir...
Aproveitar o tempo!
Meu coração está cansado como mendigo verdadeiro.
Meu cérebro está pronto como um fardo posto ao canto.
Meu canto (verbalismo!) está tal como está e é triste.
Aproveitar o tempo!
Desde que comecei a escrever passaram cinco minutos.
Aproveitei-os ou não?
Se não sei se os aproveitei, que saberei de outros minutos?!
Aproveitar o tempo!...
Ah, deixem-me não aproveitar nada!
Nem tempo, nem ser, nem memórias de tempo ou de ser!...
Deixem-me ser uma folha de árvore, titilada por brisas,
A poeira de uma estrada, involuntária e sozinha,
O vinco deixado na estrada pelas rodas enquanto não vêm
outras,
O pião do garoto, que vai parar,
E oscila, no mesmo movimento que o da terra,
E estremece no mesmo movimento que o da alma,
E cai, como caem os deuses, no chão do Destino.
Álvaro de Campos
ESCRITO NUM LIVRO ABANDONADO EM VIAGEM
Venho dos lados de Beja.
Vou para o meio de Lisboa.
Não trago nada e não acharei nada.
Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,
E a saudade que sinto não é nem no passado nem no futuro.
Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio morto:
Fui, como ervas, e não me arrancaram.
Álvaro de Campos
Vou para o meio de Lisboa.
Não trago nada e não acharei nada.
Tenho o cansaço antecipado do que não acharei,
E a saudade que sinto não é nem no passado nem no futuro.
Deixo escrita neste livro a imagem do meu desígnio morto:
Fui, como ervas, e não me arrancaram.
Álvaro de Campos
dimanche 8 décembre 2019
samedi 7 décembre 2019
vendredi 6 décembre 2019
jeudi 5 décembre 2019
dimanche 1 décembre 2019
Atome incernable de l'infiniment petit.
Masque burlesque d'un présent si vieil.
Actrice minable, empêtrée dans le pathétique
Chassé-croisé, d'une Destinée maudite,
Assoupie sur le pas de ta porte.
Il n'y a plus de terre promise, pour toi.
Plus de déjeuners sur l'herbe,
À la saison des jonquilles, plus de vin chaud,
D'allégresse, d'ébats joyeux. Plus de rires.
Rien de plus que l'abîme béante, imperscrutable,
Du gouffre vers lequel tu avances, seule!
Une fois de plus, ma potiche,
Les dieux te crachent, furieusement,
À la gueule.
Inscription à :
Articles (Atom)