Eram sete à mesa. O pai, a mãe e os cinco
filhos. Quatro raparigas e um rapaz. Todos em escadinha. A Belinha não era a
primogénita mas ganhara a vantagem de poder sentar-se do lado direito do pai
que adorava. Sempre que os miúdos se portavam mal, o pai alçava a mão e
acertava na sua testa. Ela revirava os olhos e recompunha-se rapidamente.
Afinal, ninguém mais do que ela adorava o seu pai Fritz. O mais belo homem do
mundo. A mesa era redonda. A mãe tinha-a mandado fazer por encomenda. Tinha uma
base em mogno maciço e um tampo de vidro. A Belinha poderia, facilmente, ter
trocado de lugar com qualquer um dos quatro irmãos, porém, nunca o fizera
porque, acima de tudo, o que era sublime era poder sentar-se sempre do lado
direito do pai. Mesmo se a única atenção que o pai lhe prestava era o estalo
certeiro na fronte. Ainda hoje a Belinha não consegue explicar a razão pela
qual o pai sempre alçara a mão direita ao mesmo tempo que vociferava :
« Meninos ! Estejam calados ! ». Ainda hoje a Belinha
considera que o pai e a mãe eram dois monstros sagrados, imaculados. Dois
meninos prodígio oriundos da classe proletária que haviam almejado e alcançado um
diploma do ensino superior. O pai sobretudo a enche de orgulho. Um intelectual
que, no rescaldo da segunda guerra mundial, havia fugido de uma Alemanha
pós-nazi carcomida pelo complexo da culpa. Pouco lhe importavam os filhos.
Pouco lhe importava a família, mas fizera cinco filhos à Francisca tão-só porque
era católico. Só agora, a Belinha, após várias sessões de psicoterapia,
percebeu que aquela mão direita alçada era a sua dose de afecto quotidiana. A
única atenção que jamais receberia do monstro sagrado que amava perdidamente.
Do monstro sagrado, a Belinha herdou geneticamente um vício danado – bebe e
muito.
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