samedi 27 mars 2021

Confidência : quando eu morrer, sentirei muitas saudades tuas !

Bem sei que esta frase não tem lógica nenhuma. Talvez apenas um imponderável sentido do oculto. Um erro de lógica idêntico ao ponto em que, nas nossas vidas longínquas, surgiu o erro, nunca corrigido, e o resultado disso foi este estranho atual modo de vida, em latência !

Fomos outrora tão raros e tão coniventes. Tão distintos dos milhões de pessoas que andam cabisbaixos pelas ruas.

Ninguém compreenderia a nossa vida secreta, muito menos, aqueles intolerantes à ofensa da centelha luminosa do amor, que passeiam pelo mundo os seus olhos cheios de inveja.

Por isso, vivemos séculos a fio, escondidos de todos e dos deuses vingadores e depois nos arrependemos, perturbados – um traço, certamente, das nossas naturezas culpadas.

A nossa liberdade é agora tão indomável que se tornou quase inútil tentar aprisioná-la. Somos rebeldes, bravios, altivos, irrequietos e eriçamo-nos ao menor rumor provocado pela brisa que nos acaricia. Somos selvagens e ariscos quando outras mãos inseguras nos tocam.

Há, em nós, essa animalidade bela e solta, por isso as nossas mãos não se cansam de passar pelo nosso pêlo lustroso.

Oiço gritos, latidos e uivos de noite, quando não estás. Por vezes, até me sinto transformada em vaca, em cadela, em mulher de rua ou vagabunda. Não sou mais uma « letrada », talvez nunca o tenha sido.

Tomo banho no rio e seco ao sol o meu corpo enlameado. Sinto-me livre e mais saudável!

Quero ser orgânica. Quero viver na praia com sol, areia e sol. Quero o contacto com a terra e a água. Quero esvaziar o pensamento e ser tranquilamente nada. Apenas continuar a existir mergulhada no nada interior. Quero fruir de tudo e depois morrer e o resto que se dane !

Preciso de matar, dentro de mim, essa mulher falsamente intelectual, imersa num vão e nervoso exercício de inteligência falsa e apressada.

Apetece-me gritar de horror e cansaço e explodir pelos ares.

Na tua ausência, o medo e depois o terror apoderam-se de mim, nas trevas do quarto.

As bestas não costumam abandonar a vida secreta que se processa durante a noite. Mal saia do quarto, a minha forma pode ir avolumando e apurando e quando chegar à rua, já estarei a galopar, relinchando, com patas sensíveis e cascos ferrados e crinas eriçadas.

Os cães ladram lá fora, pressentindo o sobrenatural.

E se, na noite alta, na cidade adormecida, não ouvires o meu relincho ?É que não tenho mais boca para falar na escuridão das trevas.

Reina agora um silêncio total que envolve tudo na grande noite.

Transformada em égua esgazeio o olhar, como se estivesse apenas rodeada da eternidade das trevas e não ouvisses o meu surdo relincho.

Como faço eu para voltar ao meu ente humano ?

Continuarei sendo uma besta muda e obediente, sem fulgor ?

Livra-me deste feitiço enquanto é tempo, enquanto é dia sem trevas, enquanto ainda não entardece, se é que ainda nos resta tempo antes do breu.

Livra-me antes que a noite excecional venha e me chame para subir a montanha.

Livra-me antes que os meus cascos para sempre se enterrem nos pântanos.

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