samedi 6 février 2021

 


Aí está ele, de novo, o Mar –

a mais ininteligível substância não humana.

E como é misterioso o seu mistério para um ser vivo.

 

E aqui estou eu, a Mulher –

o mais ininteligível dos seres existentes,

de pé na praia, à beira dele.

 

Eu e o Mar e os nossos mistérios,

à espera de nos entregarmos um ao outro –

e é tão necessária a confiança na entrega

de dois mundos desconhecidos e

na entrega de duas (in)compreensões.

 

Olho o Mar com a mesma perplexidade já antiga.

É tudo o que posso fazer.

Olho para a linha de horizonte que mo delimita e

sou incapaz de ver a curvatura da Terra.

 

São oito horas da manhã e

só um cão pardo corre,

livre e sem hesitação,

pelo vasto areal.

 

Apetece-me também a mim entrar no mar, mas

contrariamente ao cão, o meu corpo é frágil e dorido e

não possui essa parte de liberdade do cão –

ao entrar no frio ilimitado que ruge

nas águas salgadas do grande mar.

 

Falta-me a coragem do cão, nesta praia vazia.

Entrar no mar, para o cão é o simples jogo de existir.

Eu estou sem essa coragem.

 

Imagino-me a entrar no mar,

como esse cão pardo e

um arrepio profundo de frio percorre-me a coluna.

 

Fecho os olhos, e despersonalizo-me e sou agora esse cão pardo.

O cheiro a maresia desperta os meus sentidos adormecidos,

como após um sono secular.

 

Fico alerta e

entrego-me a uma renovada alegria que me toma toda –

como é bom este jogo leviano de apenas existir,

como um cão pardo, à beira da água salgada e fria do mar.

 

E, de repente,

abro caminho na gelidez deste líquido salgado.

Deixo-me cobrir pela primeira onda.

Dissolvo-me no brilho da água.

Penso no ritual antigo e baixo a cabeça e

o meu cabelo fica escorrendo sobre os olhos que ardem.

 

Nado um pouco e brinco com a concha das mãos na água.

Os cabelos ao sol já começam a endurecer com o sal.

 

As ondas batem, suavemente, nas minhas pernas.

Todo o meu corpo se eriça e se arrepia,

mas é um arrepio bom e

já o sol me lambe e me seca sofregamente.

 

Mergulho de novo e logo me endireito.

Quero ficar de pé, parada no mar, com as ondas a enrolar-me e

a bater-me nas costas e assim fico,

como um navio encalhado que oferece os seus costados.

 

Caminho dentro de água, de volta à praia.

O Mar opõe-me alguma resistência e

puxa-me com força para trás,

mas eu avanço qual proa de embarcação, dura e áspera.

Piso, finalmente, a areia, reluzindo de água, de sal e de sol,

como um náufrago pisa a terra firme, escapando ao perigo.

 

Volto para casa, após esta “imersão” no mar

(também o cão pardo, já saiu da água e caminha agora amarrado à trela do dono).

Daqui a minutos, terei esquecido tudo,

mas o meu corpo guardará esta memória

 

nos seus poros.

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